Leitura
Orante – 26º domingo do tempo comum,
domingo 25 de setembro de 2016
UMA PORTA E UM GRANDE
ABISMO
“Um pobre, chamado Lázaro, estava
deitado à porta, coberto de chagas, querendo
saciar-se com o que caía da mesa do rico...” (Lc 16,20)
Texto Bíblico: Lc 16,19-31
1 – O que diz o texto?
Lucas, mais uma vez, nos introduz no tema de ricos e pobres,
que, com esta parábola, alcança sua altura suprema.
A primeira parte
da narração fala de um “rico”
poderoso. Suas “vestes finas e elegantes”, indica luxo e ostentação. Só pensa
em banquetes suntuosos todos os dias.
O rico não tem nome, pois não tem identidade humana. Não é
ninguém. “Era tão pobre que só tinha riqueza”. Sua vida, vazia de amor
solidário, é um fracasso.
Muito perto, junto à porta de sua mansão, está estendido um “mendigo”. Não está coberto de linho e
púrpura, mas de feridas repugnantes. Não sabe o que é um festim; não lhe dão
nem do que cai da mesa do rico para saciar sua fome. Só alguns cachorros de rua
se aproximam para lamber suas feridas. Não tem ninguém. Não possui nada. Só um
nome cheio de promessas: “Lázaro”,
que significa “Deus é ajuda”.
O pobre está fora da porta,
rodeado pelos cachorros da rua, mas só a uns passos da mesa do rico, que
desperdiça comida em sua casa. O rico está dentro de casa, poucos metros os
separam, mas há um abismo entre eles; não há palavras, não acontece nenhuma
forma de comunicação entre eles.
Estão muito próximos, só os separa uma frágil porta, mas o
rico não “vê” o pobre, não lhe interessa sua pobreza, não o olha, não o
escuta...
A cena é insuportável. O rico tem tudo, sente-se seguro, não
parece necessitar de ninguém. Vive fechado em si mesmo. Não vê o pobre que
morre de fome junto à sua porta.
Lázaro, por sua parte, vive em extrema necessidade, faminto,
enfermo, excluído, ignorado por aqueles que lhe podiam ajudar. Sua única
esperança é Deus.
Jesus não pronuncia diretamente nenhuma palavra de
condenação. Seu olhar penetrante está desmascarando a cruel injustiça daquela
sociedade. As classes mais poderosas e os estratos mais oprimidos parecem
pertencer à mesma sociedade, mas estão separados por uma barreira invisível:
essa porta que o rico não atravessa
nunca para aproximar-se de Lázaro. Deus, que é Pai de todos, não pode aceitar
essa cruel separação entre seus filhos.
A segunda parte da
narração nos situa diante de uma grande mudança de perspectiva. A reviravolta é
total. Ambos morrem, a morte os iguala, de maneira que o tema das riquezas
passa a um segundo plano. Só permanecem eles, suas vidas..., perduráveis, de
formas diferentes.
O pobre se salva porque foi simplesmente pobre. Salva-se pela
misericórdia de Deus, ou seja, por graça (porque Deus é Deus). Por isso, a
salvação é dom, pura graça.
O rico se condena por si mesmo, porque ele escolheu, porque
não foi capaz de ver – descobrir - ajudar os pobres que estavam ao seu lado.
Nessa linha, a condenação é a rejeição da graça da vida: não ter descoberto o
outro.
2 – O que o texto diz para mim?
A conclusão que se deduz da parábola não é que os pobres do
mundo devem manter-se como estão, já que esperam a glória futura depois da
morte, mas que se abra a porta que
separa o pobre do rico, de forma que possam comunicar-se.
Este relato não fala da condenação e salvação futura, mas da
nova forma de vida compartilhada que deve se estabelecer neste mundo. O relato
não quer que o pobre e o rico continuem vivendo simplesmente em mundos que se
encontram hermeticamente selados, afastados um de outro, senão que se
encontrem, que o rico abra a porta e ofereça ao pobre um lugar em sua mesa.
Durante o tempo de sua vida, o pobre mendigo e o rico fechado
em seu “banquete” egoísta e em seu luxo não se relacionavam entre si, mas
poderiam tê-lo feito, pois Lázaro jazia diante da porta da casa do rico: uma
porta evoca a possibilidade de comunicação.
Depois da morte não tem como mudar as coisas. O tempo de
mudança é este, esta vida.
Aquela barreira invisível na terra se converte agora em um
abismo intransponível. O objetivo da parábola não é descrever o céu nem o
inferno, mas condenar a indiferença
dos ricos e poderosos.
3 – O que a Palavra me leva a experimentar?
Deus é o primeiro que deseja que eu viva bem, ao aproximar me
de uma mesa, eu tenha o que comer, que eu possa me vestir com dignidade. Deus
se alegra quando vê a mesa cheia de alimentos e todas as cadeiras ocupadas,
todos com bom apetite, vivendo a partilha com o coração pleno de alegria e
fraternidade.
Onde está então o problema? Está numa porta. Cresce cada vez mais
o número de portas que impedem de ver, portas que distanciam da fome, do
sofrimento, da pobreza, da desnudez que há do outro lado. A grande tragédia
está no fato de levantar muros, cercas de proteção, portões eletrônicos, que me
impedem ver os rostos dos outros, que me isola dos outros, que me fecha sobre
mim mesma como se ninguém mais existisse.
Diz o ditado que “comer demasiado mel nos faz perder o
sabor”; o demasiado bem-estar me impede ver o mal-estar dos outros; o fato de
não carecer de nada, me faz insensível diante daqueles que carecem de tudo; a
abundância pode ser um obstáculo para sensibilizar-me frente à carência dos
demais.
4 – O que a Palavra me leva a falar com Deus?
Senhor, ao ler o Evangelho, me dou conta de que Jesus, que
não tinha nada, era muito sensível àqueles que careciam de tudo; em sua vida não
havia nada que lhe impedisse ver a pobreza e o sofrimento dos outros. Isso
despertava n’Ele a compaixão, o “sentir com” os outros. O que os olhos não veem
não chega aos meus sentimentos. O que os olhos não veem não chega ao meu
coração.
Claro que não basta ver. É preciso que o coração seja
impactado. É preciso que a realidade me doa no coração. É preciso que a realidade
me comova.
Não basta saber que existem os pobres; não bastam as
estatísticas sobre a pobreza no mundo. É preciso dar um rosto ao enfermo, ao
desnudo, ao faminto. A dor sem rosto não me diz nada. A nudez sem rosto não me
afeta; a fome sem rosto não me impacta.
Nesta parábola Jesus desmascara e denuncia, com olhar
penetrante, a realidade cruel da Galileia e também a do meu mundo atual.
5 – O que a Palavra me leva a viver?
Escancarar as portas dos meus preconceitos.
Escancarar as portas da minha insensibilidade.
Escancarar as portas dos meus pré juízos...
Escancarar as portas que me fazem acostumar a ver famintos,
necessitados, explorados...
Tudo isso pode me tornar insensível. O que Jesus lamenta é
minha insensibilidade e minha indiferença frente àqueles que passam
penúria. Esta é minha condenação radical: uma barreira de indiferença, cegueira
e crueldade separa o mundo dos ricos do mundo dos famintos. A riqueza pode ser
um grande estorvo no coração; a púrpura e o linho podem ser um escândalo em um
mundo de pobreza; os grandes banquetes podem ser um insulto em um mundo onde
impera a fome.
Trata-se de uma parábola forte, clara e inquietante, que
corta a respiração e me situa, a partir de Deus, na dinâmica das relações
humanas. Deixar que a parábola se explique, que me fale, que me questione e que
ilumine minha vida, essa é a melhor atitude diante dela.
Fonte:
Bíblia Novo Testamento – Paulinas: Lc 16,19-31
Pe. Adroaldo Palaoro, sj –
reflexão do Evangelho
Desenho:
Osmar Koxne
Sugestão:
Música:
O Tesouro
Autor:
Benedikt Enderlene Nalerio
Cipri
Intérprete:
Antonio Cardoso
Coro: Maria
Diniz , Rita Kfouri , Caio Flavio
CD:
Antonio Cardoso – Diante de Ti
Gravadora: Paulinas Comep
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