TRÍDUO PASCAL
Quinta-feira
santa; Missa In Coena Domini (Ceia do
Senhor) – Leituras da missa: Ex 12, 1-8.11-14; Sl 115 (116B); 1Cor 11, 23-26;
Jo 13, 1-15.
Sexta-feira
santa; Paixão do Senhor – Leituras da celebração: Is 52, 13-53, 12; Sl 30 (31);
Hb 4, 14-16; 5, 7-9; Jo 18, 1-19,42.
Sábado
santo; Solene Vigília Pascal – Leituras da Vigília: Gn 1, 1-2, 2; Sl 103; Gn
22, 1-18; Sl 15; Ex 14, 15-15, 1; Cântico de Moisés Ex 15, 1b-6.17-18; Is 54,
5-14; Sl 29; Is 55, 1-11; Cântico Is 12, 2.4-6; Br 3, 9-15.32-4,4; Sl 18; Ez
36, 16-17ª.18-28; Sl 41; Rm 6, 3-11; Sl 117; Evangelho Mc 16, 9-15.
Domingo da
Ressurreição do Senhor – Leituras da missa: At 10, 34ª.37-43; Sl 117 (118); Cl
3, 1-4; Jo 20, 1-9.
“A festa da Páscoa é, por conseguinte, a proclamação e a
atuação presencial da ação redentora de Cristo na morte e transfiguração do
Senhor, da vitória sobre a morte pela cruz e, consequentemente, da
reconciliação entre Deus e os homens... Em uma palavra: a Páscoa é o mistério
do culto da obra salutífera de Deus em Cristo na Igreja”.
D. Odo Casel
A celebração do “sacratíssimo
Tríduo do Senhor crucificado, sepultado e ressuscitado” – conforme a bela expressão
de santo Agostinho – é algo que foi muito sentido por gerações inteiras de
cristãos. Já a partir do evento Cristo, a Igreja nunca cessou de celebrar a
memória de seu Senhor, embora as primeiras notícias certas de uma celebração
pascal anual datem apenas do século II. Apesar disso, em suas celebrações a
Igreja antiga soube muito bem colher a essência do mistério da paixão, morte e
ressurreição do Cristo, de modo que a estrutura celebrativa ao longo de três
dias – o Tríduo, portanto – datam já do IV século. Embora toda a riqueza desta
celebração tenha sido sempre o centro da vida da Igreja, há que se dizer que
houve momentos, devido às contingências da história, em que ela sofreu alguns
arranhões: a título de exemplo, quem não se lembra do famoso “sábado de aleluia”, quando logo pela
manhã do sábado, em plena luz do dia, se anunciava a ressurreição de Jesus.
Naquela época parecia não importar muito se os textos da liturgia falassem de
uma “noite santa”, onde ocorria a libertação do povo de Israel e nossa...
Também resultava difícil explicar às crianças o artigo do credo que falava da
ressurreição “ao terceiro dia”, já que
a prática celebrativa dizia que o Senhor morria na sexta feira santa e no
sábado santo pela manhã cantava-se já sua ressurreição...
Por esses motivos e outros, em 1951, sob o pontificado do Papa Pio
XII, a Igreja resolveu mudar alguns elementos relativos ao Tríduo pascal, mudanças
estas que se concluiriam com a reforma litúrgica do concílio Vaticano II.
Apesar do concílio Vaticano II ter nos legado um verdadeiro tesouro,
as celebrações do Tríduo pascal ainda não foram bem compreendidas. É muito
comum se verificar ainda nas paróquias em geral algumas mutilações em relação a
essas celebrações. A mais comum delas é a abreviação das leituras da grande
vigília Pascal, a “mãe de todas as
sagradas vigílias” (Sto. Agostinho) ou mesmo dos ritos que compõem a santa
vigília nem sempre por motivos justificáveis.
Muitas vezes estas abreviações são gestos que demonstram a má formação
litúrgica do povo de Deus em sentido amplo.
Celebrar com fé o Tríduo é viver sacramentalmente em nossa própria
vida o mistério do Cristo morto e ressuscitado: é morrer com Jesus, para
ressuscitarmos com ele.
Não cabe a nós nestas breves linhas traçar um panorama detalhado desta
celebração em sua globalidade ou mesmo fazer uma crítica mais aprofundada em
relação à prática pastoral. Queremos
apenas dar algumas pinceladas para, se pudermos, ajudar a celebrar melhor o
mistério do Senhor em nossas vidas.
O início do Tríduo Pascal ocorre na quinta-feira santa a partir da
missa vespertina “in Coena Domini”.
Trata-se de um reflexo da antiga concepção judaica em que o dia começava com o
declínio do dia anterior. Até hoje, por exemplo, a comunidade judaica celebra o
início do sábado na sexta feira ao entardecer.
Nada de extraordinário que a quinta feira santa esteja ligada à sexta
feira da Paixão, já que a entrega de Jesus na cruz foi por ele mesmo antecipada
na eucaristia celebrada com os seus discípulos. Lembrando também que é nessa
noite que Jesus começa seu sofrimento no horto das oliveiras e sua entrega por
intermédio da traição de Judas.
Nessa celebração os elementos que se sobressaem são: a última Ceia de
Jesus, a instituição da eucaristia e o rito do Lava-pés, símbolo particular de
amor e de serviço aos homens. De fato a oração do dia parece colocar em
evidência essas duas dimensões: “Concedei-nos,
por mistério tão excelso [a Eucaristia], chegar à plenitude da caridade e da
vida”.
É uma celebração com um tom mais festivo: os paramentos são da cor
branca e nessa missa canta-se o Glória.
A liturgia da Palavra de certo modo nos coloca já no coração da páscoa: a
primeira leitura do livro do Êxodo nos apresenta a páscoa hebraica: dá-se uma
ênfase aos pães sem fermento, imagem da aflição dos israelitas, e ao cordeiro
imolado: o uso de seu sangue nos umbrais das portas livra os judeus do
extermínio. Esses elementos do pão ázimo e do sangue do cordeiro imolado são
imagem da realidade operada pelo Cristo: o pão que recebemos é sua carne e o vinho
que bebemos é o seu sangue da “nova e
eterna aliança”. Seria muito bom, onde for possível e a julgamento do pároco,
se houvesse o uso de pão ázimo e a comunhão do cálice neste dia, à norma do que
prevê a Instrução Geral do Missal Romano.
O salmo responsorial (Sl 115) nos põe diante do “cálice da bênção”. A
evocação desta imagem nos coloca perante o ritual da páscoa judaica: além da
manducação das ervas amargas, dos pães ázimos e do cordeiro, o ritual da páscoa
judaica previa – e ainda hoje prevê – a consumação de quatro cálices de vinho.
O terceiro cálice ritual, o mais solene, chamado de cálice da bênção, recebia
uma oração de bênção por parte do pai de família. É possível que Jesus tenha
usado esse momento para relacionar o cálice de vinho ao seu sangue derramado.
Aquilo que era imagem cumpre-se no Cristo, como bem salienta São Paulo na
segunda leitura. O Evangelho de João nos apresenta a imagem de Jesus num gesto
de extrema humildade: aquilo que era tarefa dos escravos ou das personagens de
menor importância é assumido inteiramente pelo Mestre. O rito do Lava-pés está
longe de ser um teatro, uma encenação que quer relembrar o gesto de Jesus: na
verdade, quer enfatizar que esse gesto de Jesus deve necessariamente ser
assumido por todos nós em nosso hoje. Comungar da eucaristia deve
necessariamente resultar em gestos concretos de serviço e de solidariedade para
com o próximo.
Outro gesto muito sentido, logo após a oração de depois da comunhão, é
a transladação do Santíssimo: o Santíssimo, que não deve ficar exposto num
ostensório ou mesmo numa âmbula, mas deve ficar num tabernáculo adequado, se
possível, ricamente adornado com flores e velas. Por sua vez, este tabernáculo
não deveria conter algum tipo de elemento alusivo ao sepulcro do Senhor pois a
morte do Senhor será celebrada na sexta feira santa.
Após o período previsto de adoração ao Santíssimo, a quinta feira santa
cederá lugar à celebração da sexta feira da Paixão.
Sexta Feira da Paixão do Senhor
A sexta feira santa é uma celebração onde a Igreja se depara com o
mistério da cruz. A atual celebração segue aproximadamente o modelo descrito
pela peregrina Etéria em seu diário de viagem. Ela nos relata a estrutura dessa
celebração na cidade de Jerusalém no IV século, descrevendo, por exemplo, o
rito da adoração da relíquia da Santa Cruz que era apresentada aos fiéis para
que estes beijassem o pedaço do santo lenho das mãos do bispo.
A celebração deste dia começa de forma muito sóbria: o presidente da
celebração se dirige até o altar despojado de suas toalhas e se prostra ou
ajoelha diante deste; após uma breve oração segue a liturgia da Palavra e uma
breve homilia ou comentário à Palavra. Em seguida se procede à oração
universal: momento ritual forte, onde se visibiliza a Igreja cumprindo seu
papel de intercessora, de sacramento universal de salvação junto a toda a
humanidade.
A liturgia da Palavra em si apresenta-nos a imagem do Servo misterioso
do relato de Isaías. Essa imagem venerável de redenção que o cristianismo viu
cumprida por Jesus Cristo, o Servo por excelência. A carta aos Hebreus
mostra-nos o sentido profundo do sofrimento e da morte do Senhor: através desse
ato, Cristo tornou-se sumo-sacerdote, entrando no santuário do Céu para nos
procurar a salvação. No Evangelho, João nos diz que Jesus também é a vítima, do
momento que o evangelista associa a morte de Jesus ao sacrifício do cordeiro
pascal (cf. Jo 19, 14.31-37).
Após a liturgia da Palavra segue a adoração da cruz. A adoração poderá
ser expressa pela genuflexão, ou pelo beijo, ou ainda por algum outro sinal
adequado: no ritual antigo, por exemplo, previa-se a aproximação do fiel à cruz
com os pés descalços; uma referência ao cenário da revelação a Moisés; o Deus
que havia se revelado na sarça ardente é o Deus que se revela na árvore da
cruz.
Terminada a adoração - de uma única cruz, como a verdade do sinal pede
– se procede à liturgia da comunhão. Seria de mui bom alvitre que se guardasse,
na medida do possível, um grande silêncio após a celebração como forma de uma
maior participação ao mistério.
Além disto, neste dia a Igreja pede aos fiéis que façam jejum e
abstinência, como forma sacramental de participação aos sofrimentos do Senhor e,
no sábado santo, principalmente como preparação à Páscoa (“Dias, porém, virão, em que lhes será tirado o
esposo, e então jejuarão”. Mt 9, 15).
Sábado santo – Vigília Pascal
Assim como a sexta feira da Paixão, o sábado santo é considerado um
dia a-litúrgico, isto é, um dia no
qual não se celebra a eucaristia. Na Igreja antiga era um dia de rigoroso jejum
que deveria facilitar a direcionar os pensamentos dos fiéis ao fato de Jesus “morto e sepultado”. Para quem reza a
Liturgia das Horas, o Ofício das Leituras deste dia nos oferece uma leitura de
um autor desconhecido do IV século, leitura de singular beleza. Reproduzimos um
pequeno trecho abaixo:
“O que aconteceu? Hoje sobre a terra
reina um grande silêncio, grande silêncio e solidão. Grande silêncio porque o
Rei dorme: a terra permaneceu desencorajada, e calou-se, porque Deus feito
carne adormeceu e acordou aqueles que há séculos dormiam. Deus morreu na carne
e desceu para sacudir o reino dos infernos. Certamente ele vai procurar o
primeiro pai, como a ovelha perdida. Ele quer descer para visitar aqueles que
jazem nas trevas e na sombra da morte. Deus e o seu Filho vão libertar dos
sofrimentos Adão e Eva, que se encontram prisioneiros. O Senhor entrou para
junto deles levando as armas vitoriosas da cruz. Apenas Adão o viu, o
progenitor, batendo em sue peito pela maravilha, gritou para todos dizendo:
“Esteja com todos, o meu Senhor”. E Cristo respondendo disse para Adão: “E com
o teu espírito”. E, tomando-o pela mão, o levantou, dizendo: “Acorda, tu que
dormes e ressurge dos mortos, e Cristo te iluminará”.
À noite, toda a comunidade se reúne para a grande Vigília Pascal. A
liturgia da vigília pode ser dividida em quatro partes: Liturgia da luz;
Liturgia da Palavra; Liturgia Batismal e Liturgia Eucarística.
A liturgia da luz começa, quando é possível, do lado de fora da
Igreja: acende-se uma fogueira em torno da qual se reúnem os fieis. Diante
dessa fogueira, abençoada pelo presidente da celebração, acende-se o círio
pascal. O acender desta vela reflete um costume muito antigo de se acenderem
muitas luzes (velas) nesta noite santa.
Continua...
Quanto a isto veja-se, por exemplo, a carta circular da Congregação para o
Culto Divino “Paschalis Sollemnitatis”
– A Preparação e Celebração das Festas Pascais, de 16 de janeiro de 1988.