Leitura Orante – domingo, 10 de janeiro de 2016
BATISMO: “operação saída”
“E,
enquanto rezava, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus...” (Lc
3,21-22)
Texto
Bíblico: Lc
3,15-16.21-22
1 – O que diz o texto?
“Jesus sai das
águas elevando consigo o mundo que estava submerso, e vê rasgarem-se e
abrirem-se os céus que Adão fechara para si e sua posteridade” (S. Gregório
Nazianzeno).
O Batismo de Jesus é um acontecimento
fundamentalmente vocacional. É muito provável que Jesus, já adulto, vivesse com
uma inquietação em seu coração, conectado com seu desejo profundo, e uma pergunta estivesse ressoando com força
no seu ser mais íntimo; essa mesma pergunta com a qual cada um precisa
conectar, em algum momento da vida, e que faz brotar as decisões mais cruciais:
“Quem sou? Para quê nasci? Quê sentido quero
que minha existência tenha?...”
Depois de ter
passado trinta anos de sua vida no anonimato em Nazaré, dedicado aos trabalhos
cotidianos e simples de uma vida campesina, Jesus decidiu um dia deixar para
trás suas pequenas seguranças e pôr-se a caminho em direção ao sul, junto ao
rio Jordão, onde João estava batizando. Despediu-se dos seus e se lançou a uma
aventura da qual não regressaria mais. Tomou uma decisão que se revelou central
para sua vida e para a nossa.
Para Jesus, a
experiência vivida no Jordão, funda sua vocação, ou seja, a partir de então
compreende quem é Ele para Deus: o Filho
Amado. Com essa consciência, configura todo seu ser e aposta plenamente por
seu projeto de vida. Então, Ele experimenta a presença de Deus de um modo claro
e contundente. Nesse momento, confirma-se tudo o que sentiu e viveu em toda sua
vida em Nazaré: a profunda sintonia com Deus, experimentado como um Pai amoroso
e próximo.
2 – O que o texto diz para
mim?
Agora Jesus
sente que o Pai o chama a mudar o estilo
de vida escondido. Ele está atento aos “sinais
dos tempos” e sabe discernir nesses sinais a Vontade do Pai que o chama a
mudar de caminho, a deixar sua terra, a lançar-se numa aventura. Começa uma
vida itinerante, missionária, despojado
de tudo.
Segundo os
estudiosos da Cristologia, em Jesus, a tomada de consciência de quem era Ele e
qual era sua missão, foi um processo de
contínuo discernimento que não
terminou nunca. O relato do batismo
está me falando de um passo a mais, ainda que decisivo, nessa tomada de
consciência.
A “abertura dos céus” que se rasgam
significa a abertura de novas relações
entre Deus e a humanidade, o início de um novo
diálogo de Deus com o ser humano, um novo
tempo de graça, de novos dons
dados por Deus a todos. Jesus é o lugar
do novo, definitivo e pleno encontro de Deus com os homens, dos homens com
Deus e dos homens entre si.
3 – O que a Palavra me leva a
experimentar?
Ver Jesus
dirigir-se para o desconhecido, confiado somente na proximidade de seu Pai
Deus, me anima a empreender também um caminho novo a cada dia, com a confiança
de que Deus me acompanhará e repetirá de novo o que o mesmo Jesus escutou no
Jordão: “Tu és meu(minha) filho(a) amado(a), em ti ponho o meu bem querer”.
Viver a vocação batismal implica viver em
contínua “operação saída”.
Demasiados costumes conservados podem ser uma forte herança, mas não deixam de
ser um peso para quem precisa olhar longe e olhar bem. O discernimento implica
investigar quê novos lugares me quer
conduzir o Espírito.
4 – O que a Palavra me leva a
falar com Deus?
Senhor, em algum
momento ou outro de minha vida, sinto ser chamada a reorientar o meu caminho.
Tenho que tomar a decisão de deixar para trás os espaços e as pessoas
conhecidas que formam o meu entorno vital. Aventurar-me a estabelecer novas
relações, novas práticas, novas formas de comunicação com esse novo entorno,
novas formas de pensar a mesma realidade. Caminhar para o desconhecido, confiar
na promessa e na fidelidade de Deus. Por Ele e n’Ele, descobrir novos horizontes.
Levei anos em
que, em lugar de ir, voltei. Tenho medo frente às “novas saídas”. Há uma
preferência por permanecer no seguro, no conhecido, no de sempre. Busco as mais
sofisticadas razões para “não sair”, para manter meus “centros” e situar-me naqueles espaços que me dão segurança e me
permitem realizar meus próprios sonhos e não tanto os de Deus.
Lucas me diz expressamente: “e enquanto orava...”; porque só a partir do interior pode-se descobrir o Espírito que me invade. Se assim o faço e se dou
uma oportunidade ao Espírito de Deus, descobrirei minha própria vocação... e,
quem sabe, verei o Cristo em silêncio, ao meu lado.
5 – O que a Palavra me leva a
viver?
A Exortação do
Papa Francisco me convida a “sair”, em atitude de “intimidade itinerante”:
“quando se toma gosto do ar puro do Espírito Santo, que me liberta de estar
centrada em mim mesma, escondida em uma aparência religiosa vazia de Deus” (EG,
97).
Esta atitude requer a maturidade de saber fazer a “travessia”, de romper com os
muros das ideias fixas, atitudes fechadas, situações estreitas... De sedentária
me converter em nômade do “sentido”, buscadora de uma realidade totalizante que me
ultrapassa e que está sempre além.
Tanto
mais intensa será minha vivência batismal quanto mais me leve para “fora” de meu próprio centro, de meu próprio
mundo e de meu modo habitual e fechado
de viver.
Nessa
“saída de si” encontro o
termômetro de toda vida espiritual: “Sair de si” é olhar a própria vida de
outro ângulo, de outra perspectiva... para encontrar um “sentido” maior que me
escapa.
A
“saída de si” é humanizante e humanizadora, porque faz emergir tudo o que é humano em mim.
É ir mais além daquilo que me é próximo,
próprio ou afetivamente perto.
É
ir aos “aforas” de minha vida, de
meu mundo, de minhas coisas de sempre.
Assim,
pois, tanto mais real e verdadeira será minha resposta amorosa ao carinho de
Deus quanto mais expansiva se faz minha vida, deslocando-me em direção às fronteiras dessa vida pessoal e comunitária.
A experiência do encontro com Ele junto
ao Jordão, desvela meu rosto, transforma minha vida, abre caminhos e me
compromete com a causa do Reino.
Fonte:
Bíblia na linguagem de hoje – Lc
3,15-16.21-22
Pe. Adroaldo, sj – reflexão do Evangelho
Desenho: Osmar Koxne
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