LUMEN
FIDEI
A luz da
fé
A
encíclica do Papa Francisco escrita a quatro mãos
O Papa Francisco nos ensina a
compreender e viver melhor a nossa fé
A FÉ LIGADA NA ESCUTA
A
fé está ligada à escuta. Abraão não vê Deus, mas ouve a sua voz. Deste modo, a
fé assume um carácter pessoal: o Senhor não é o Deus de um lugar, nem mesmo o
Deus vinculado a um tempo sagrado específico, mas o Deus de uma pessoa,
concretamente o Deus de Abraão, Isaac e Jaco.
ISRAEL FRAQUEJA NA FÉ
A história de Israel mostra-nos ainda a
tentação da incredulidade, em que o povo caiu várias vezes. Aparece aqui o
contrário da fé: a idolatria. Enquanto Moisés fala com Deus no Sinai, o povo
não suporta o mistério do rosto divino escondido, não suporta o tempo de
espera.
O ato de fé do indivíduo insere-se numa
comunidade, no « nós » comum do povo, que, na fé, é como um só homem: « o meu
filho primogénito », assim Deus designará todo o Israel (cf. Ex 4, 22).
A
fé é um dom gratuito de Deus, que exige a humildade e a coragem de fiar-se e entregar-se para ver o caminho
luminoso do encontro entre Deus e os homens.
Cardeal
Dom Odilo...
“Portanto, a fé cristã é fé no Amor
pleno, no seu poder eficaz, na sua capacidade de transformar o mundo e
iluminar o tempo”. « Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele »
(1 Jo 4, 16).
Enquanto ressuscitado, Cristo é
testemunha fiável, digna de fé (cf. Ap 1, 5; Heb 2, 17), apoio
firme para a nossa fé. « Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé », afirma
São Paulo (1 Cor 15, 17).
A SALVAÇÃO PELA FÉ
São Paulo acredita que, ao aceitar o dom da fé, o
ser humano é transformado numa nova criatura, recebe um novo ser, um ser
filial, torna-se filho no Filho.
A salvação pela fé consiste em
reconhecer o primado do dom de Deus, como resume São Paulo: « Porque é pela
graça que estais salvos, por meio da fé. E isto não vem de vós, é dom de Deus »
(Ef 2, 8).
A nova lógica da fé centra-se em Cristo.
A fé em Cristo salva-nos, porque é n’Ele que a vida se abre radicalmente a um
Amor que nos precede e transforma a partir de dentro, que age em nós e
conosco.
Na fé, o « eu » do crente dilata-se para
ser habitado por um Outro, para viver num Outro, e assim a sua vida amplia-se
no Amor. É aqui que se situa a ação própria do Espírito Santo...
O cristão pode ter os olhos de Jesus, os
seus sentimentos, a sua predisposição filial, porque é feito participante do
seu Amor, que é o Espírito; é neste Amor que se recebe, de algum modo, a visão
própria de Jesus.
A FORMA ECLESIAL DA FÉ
A fé tem uma forma necessariamente
eclesial, é professada partindo do corpo de Cristo, como comunhão concreta dos
crentes. A partir deste lugar eclesial, ela abre o indivíduo cristão a todos os
homens.
A fé não é um fato privado, uma
concepção individualista, uma opinião subjetiva, mas nasce de uma escuta e
destina-se a ser pronunciada e a tornar-se anúncio.
UMA
LUZ ILUSÓRIA...
A luz da fé é a expressão com que a
tradição da Igreja designou o grande dom trazido por Jesus. Eis como Ele Se nos
apresenta, no Evangelho de João: « Eu vim ao mundo como luz, para que todo o
que crê em Mim não fique nas trevas » (Jo 12, 46).
Podemos nos perguntar se essa luz é
ilusória, em contrapartida com a razão. Por muito tempo acreditou-se que a fé
só caberia onde a razão não conseguia explicar. Assim fé cai num vazio, afirma
o Pontífice. Pensar a fé como mero suplemento da razão seria empobrecê-la.
Como a razão não conseguiu responder
todas as inquietudes humanas, logo o homem cai num vazio existencial. Quando
falta a luz, perde-se o rumo da estrada.
RECUPERAR
A LUZ
Redescobrir a luz, implica em afirmar
que ela já existe e está em nós. Muitas vezes encontra-se apagada, por isso o
Papa insiste na redescoberta, pois essa luz é capaz de dar sentido a
existência. Para tal, ele insiste na experiência com Deus.
A fé que recebemos
de Deus como dom sobrenatural, deve vir como luz que ilumina a estrada da vida
e dá sentido. Por isso precisamos redescobri-la.
O Concílio Vaticano II fez brilhar a fé
no âmbito da experiência humana, percorrendo assim os caminhos do homem
contemporâneo. Desta forma, se viu como a fé enriquece a existência humana em
todas as suas dimensões.
SE NÃO ACREDITARDES, NÃO
COMPREENDEREIS...
Um belo capítulo trata da transmissão da fé:
esta é uma das preocupações sérias da Igreja em nossos dias. O Papa fala que a
Igreja é “a mãe da nossa fé”.
A fé não
é um fato individual e subjetivo: aquilo que cremos foi transmitido a nós, vem
de longe, dos apóstolos! “Transmiti-vos aquilo que eu mesmo recebi”, observou
São Paulo (1Cor 15,3).
FÉ E VERDADE
Se o amor tem necessidade da verdade, também a verdade precisa do
amor; amor e verdade não se podem separar. Sem o amor, a verdade torna-se fria,
impessoal, gravosa para a vida concreta da pessoa.
O conhecimento
da fé ilumina não só o caminho particular de um povo, mas também o percurso
inteiro do mundo criado, desde a origem até à sua consumação.
A FÉ COMO ESCUTA E VISÃO
Ver Jesus é algo fundamental que acorreu com os discípulos e demais
pessoas. Muitos creram por terem visto, mas muito creram por terem ouvido.
O ver, graças à sua união com o ouvir,
torna-se seguimento de Cristo; e a fé aparece como um caminho do olhar em que
os olhos se habituam a ver em profundidade. Pela fé, podemos tocar Deus.
Agostinho diz: tocar com o coração isto sim é crer.
FÉ E RAZÃO
A luz do amor, própria da fé, pode iluminar
as perguntas do nosso tempo acerca da verdade.
Por outro lado, enquanto unida à verdade do amor, a luz da fé não
é alheia ao mundo material, porque o amor vive-se sempre com corpo e alma; a
luz da fé é luz encarnada, que dimana da vida luminosa de Jesus.
A fé desperta o sentido crítico, enquanto impede a pesquisa de se
deter, satisfeita, nas suas fórmulas e ajuda-a a compreender que a natureza
sempre as ultrapassa. Convidando a maravilhar-se diante do mistério da criação,
a fé alarga os horizontes da razão...
A FÉ E A BUSCA DE DEUS
A luz da fé em Jesus ilumina também o caminho de todos
aqueles que procuram a Deus...
O caminho do homem religioso passa pela
confissão de um Deus que cuida dele e que Se pode encontrar. Que outra recompensa
poderia Deus oferecer àqueles que O buscam, senão deixar-Se encontrar a Si
mesmo?
Quanto mais o
cristão penetrar no círculo aberto pela luz de Cristo, tanto mais será capaz de
compreender e acompanhar o caminho de cada homem para Deus.
FÉ E TEOLOGIA
Como luz que é, a fé convida-nos a penetrar nela, a
explorar sempre mais o horizonte que ilumina, para conhecer melhor o que
amamos. Deste desejo nasce a teologia cristã; assim, é claro que a teologia é
impossível sem a fé e pertence ao próprio movimento da fé...
TRANSMITO-VOS
AQUILO QUE RECEBI
Quem se abriu ao amor de Deus, acolheu a
sua voz e recebeu a sua luz, não pode guardar este dom para si mesmo. Uma vez
que é escuta e visão, a fé transmite-se também como palavra e como luz...
O passado da fé, aquele ato de amor de
Jesus que gerou no mundo uma vida nova, chega até nós na memória de outros,
das testemunhas, guardado vivo naquele sujeito único de memória que é a Igreja;
É impossível crer sozinhos. A fé não é só uma opção individual que se realiza na interioridade do
crente, não é uma relação isolada entre o « eu » do fiel e o « Tu » divino,
entre o sujeito autônomo e Deus; mas, por sua natureza, abre-se ao « nós »,
verifica-se sempre dentro da comunhão da Igreja.
OS SACRAMENTOS E A TRANSMISSÃO DA FÉ
A Igreja transmite aos seus filhos o
conteúdo da sua memória. É através da Tradição Apostólica, conservada na Igreja
com a assistência do Espírito Santo, que temos
contato vivo com a memória fundadora. E aquilo que foi transmitido pelos
Apóstolos, como afirma o Concílio Ecumênico Vaticano II, « abrange tudo quanto
contribui para a vida santa do Povo de Deus e para o aumento da sua fé;
Se é verdade que os sacramentos são os
sacramentos da fé, há
que afirmar também que a fé tem uma estrutura sacramental; o despertar da fé
passa pelo despertar de um novo sentido sacramental na vida do homem.
A
FÉ DEVE BUSCAR A UNIDADE
A fé deve buscar a unidade de visão num
só corpo e num só espírito. Neste sentido, São Leão Magno podia afirmar: « Se a
fé não é una, não é fé.
DEUS
PREPARA PARA ELES UMA CIDADE(cf. Heb 11, 16)
Ao apresentar a Carta aos Hebreus vemos a preparação
de um lugar onde os homens possam habitar uns com os outros. O primeiro
construtor é Noé, que, na arca, consegue salvar a sua família (cf. Heb 11,
7). Depois aparece Abraão, de quem se diz que, pela fé, habitara em tendas, esperando
a cidade de alicerces firmes (cf. Heb 11, 9-10).
A FÉ E A FAMÍLIA
O primeiro âmbito da cidade dos homens iluminado
pela fé é a família; penso, antes de mais nada, na união estável do homem e da
mulher no matrimônio. Fundados sobre este amor, homem e mulher podem
prometer-se amor mútuo com um gesto que compromete a vida inteira.
Em família, a fé acompanha todas as idades da vida,
a começar pela infância: as crianças aprendem a confiar no amor de seus pais.
Por isso, é importante que os pais cultivem práticas de fé comuns na família,
que acompanhem o amadurecimento da fé dos filhos, crianças e jovens...
Assimilada e aprofundada em família, a fé torna-se
luz para iluminar todas as relações sociais.
No centro da fé Bíblica, há o amor de
Deus, e o seu cuidado concreto a cada pessoa...
A fé, ao revelar-nos o amor de Deus
Criador, faz-nos olhar com maior respeito para a natureza, ajuda-nos a
encontrar modelos de progresso, que não se baseiem apenas na utilidade e no lucro, mas considerem a criação como dom.
Quando
a fé esmorece, há o risco de esmorecerem também os fundamentos do viver. Se
tiramos a fé em Deus das nossas cidades, enfraquecer-se-á a confiança entre
nós, apenas o medo nos manterá unidos, e a estabilidade ficará ameaçada.
Afirma a Carta aos Hebreus: « Deus não
Se envergonha de ser chamado o “seu
Deus”, porque preparou para eles uma cidade » (Heb 11, 16).
A fé ilumina a
vida social: possui uma luz criadora para cada momento novo da história...
A fé não é luz que dissipa todas as
nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta
para o caminho.
Ao homem que sofre, Deus não dá um
raciocínio que explique tudo, mas oferece a sua resposta sob a forma duma
presença que o acompanha...
FELIZ DAQUELA QUE ACREDITOU (cf. Lc 1, 45)
Lucas explica o
significado da « terra boa »: « São aqueles que, tendo ouvido a palavra com um
coração bom e virtuoso, conservam-na e dão fruto com a sua perseverança » (Lc
8, 15).
A Palavra ouvida
e conservada, pode constituir um retrato implícito da fé da Virgem Maria;
ORAÇÃO
À MARIA
Ajudai, ó Mãe, a nossa fé.
Abri o
nosso ouvido à Palavra, para reconhecermos a voz de Deus e a sua chamada.
Despertai
em nós o desejo de seguir os seus passos, saindo da nossa terra e acolhendo a
sua promessa.
Ajudai-nos a
deixar-nos tocar pelo seu amor, para podermos tocá-Lo com a fé.
Ajudai-nos a confiar-nos
plenamente a Ele, a crer no seu amor, sobretudo nos momentos de tribulação e
cruz, quando a nossa fé é chamada a amadurecer.
Semeai,
na nossa fé, a alegria do Ressuscitado.
Recordai-nos que quem crê nunca está sozinho.
Ensinai-nos
a ver com os olhos de Jesus, para que Ele seja luz em nosso caminho.
E que esta luz da fé cresça sempre em nós até chegar
aquele dia sem ocaso que é o próprio Cristo, vosso Filho, nosso Senhor. Amém.
(Síntese feita pelo Pe. Edinaldo Mendes Tonete)