3º
DOMINGO DA QUARESMA – ANO C
*Por Gabriel Frade
Leituras: Ex
3,1-8a.13-15, Salmo 102 (103), 1 Cor 10,1-6.10-12, Lc 13,1-9
O terceiro Domingo da quaresma
assinala mais uma etapa dentro do caminho quaresmal de preparação em direção à
Páscoa. A primeira leitura apresenta a grande figura bíblica de Moisés.
Ao lermos alguns trechos antes
do episódio proposto na liturgia da Palavra deste domingo, notaremos que Moisés
é apresentado pelo autor do texto sagrado numa situação de angústia: ele havia desafiado
o sistema e cometido um ato terrível: matara um egípcio! Podemos apenas
imaginar a angústia e a aflição de Moisés. Diante do fato consumado, não lhe
restava outra opção senão fugir da ira do Faraó; Moisés foge para o deserto e
se associa a uma tribo de nômades.
A leitura deste domingo
apresenta Moisés logo após esse episódio turbulento: parece que tudo está agora
tranquilo em sua vida; a fuga do Egito era coisa do passado; já há algum tempo
ele conseguira uma acolhida tranquila por parte de um povo do deserto; as
coisas iam tão bem que até se casara com a filha de alguém importante dentro do
clã desses nômades - o sacerdote Jetro – conquistando assim bens e uma vida
cômoda.
É nessa ocasião em que tudo
parece tranquilo e inabalável que Deus entra novamente na vida de Moisés. O motivo
dessa visita por parte de Deus é a grande compaixão pelo seu povo que padece
uma grande injustiça imposta pelo faraó. Ao visitar Moisés, Deus imprime novo
movimento na história salvífica: apresenta-se a seu servo através do fato
maravilhoso da sarça ardente que não se consome – imagem prefigurada da Virgem
Maria que traz Jesus em seu ventre - e revela suas reais intenções para aquele
que terá um papel importante no processo de libertação do povo no Egito.
Essa intenção de Deus de salvar
o seu povo, revelada a Moisés terá causado em seu íntimo um turbilhão de
sentimentos: voltar ao Egito significava enfrentar os problemas lá deixados,
significava uma verdadeira e própria conversão. Porém, a resposta que Moisés dá
a seu Senhor é um misto de prontidão corajosa e de temor: imediatamente
responde confiante em Deus que retornará, mas, ao mesmo tempo, deseja saber em
nome de quem ele deverá se dirigir aos seus irmãos.
Deus ao revelar seu nome a
Moisés, revela a sua natureza íntima e sua vontade eterna de realizar um plano
de amor com o seu povo, libertando-o de toda a opressão e injustiça, fato que
se realizará na Páscoa.
Na segunda Leitura Paulo, como
bom doutor da Lei, formado numa das melhores escolas de seu tempo, usa uma
interpretação rabínica para explicar os fatos relativos à páscoa do Antigo
Testamento. Ele alerta que não basta ver os prodígios e portentos, não basta
passar pelo batismo “da nuvem” e nem comer do maná ou da água que brotou da
rocha do deserto. Do mesmo modo, seguindo essa linha de pensamento do apóstolo,
poderíamos dizer que não basta ser batizado, não basta participar da missa e
comungar o alimento eucarístico: é preciso ter uma coerência entre a fé
celebrada e a fé vivida, é preciso estar num processo de – como diria o bem
aventurado Tiago Alberione – contínua conversão.
De fato, no evangelho, Jesus nos
coloca diante da concretude da vida: ao evocar as mortes particularmente
violentas e escandalosas dos Galileus ou dos que sucumbiram debaixo do
desabamento de uma torre em Siloé, Jesus quebra certa lógica religiosa de seu
tempo: em Israel, diante dessas mortes havia a interpretação de uma “teologia
da retribuição”, ou seja, diante das mortes repentinas ou violentas, Deus,
justo juiz, permitia tais mortes como forma de castigar os pecados, possivelmente
ocultos, cometidos por essas pessoas. Jesus, ao dizer que as pessoas mortas
eram tão pecadoras quanto qualquer um de seus ouvintes, faz um grande apelo à
conversão.
Um belo filme feito nos anos 50
pelo renomado cineasta japonês Akira Kurosawa (Ikiru – Viver, 1952) talvez nos
consiga deixar mais claro o que Jesus quis dizer através dos exemplos chocantes
e do seu apelo à conversão: no filme, o cineasta conta a história do Sr.
Watanabe, um homem que viveu toda a sua vida tendo uma conduta exemplar no trabalho,
sem faltar um único dia, nunca deixando de cumprir suas funções dentro do
escritório. A vida desse senhor era o trabalho: um belo dia, ao passar mal e
visitar um médico, ele descobre que tem um câncer em fase terminal. A partir
dessa notícia terrível, Watanabe descobre que nunca viveu a vida realmente;
viveu como uma espécie de morto vivo. Ao fazer essa experiência, ao perceber
que todos os seus projetos haviam falhado, ele decide viver o pouco da vida que
lhe resta fazendo o bem.
O filme é uma parábola singela
da nossa existência: não tomamos certas atitudes porque achamos que a morte
nunca vai chegar assim tão cedo. Deixamos de nos converter ao Senhor porque
consideramos que ainda temos tempo para pensar nas coisas que realmente
importam.
Bem, Deus nesta liturgia vem,
nem tanto para dizer que vai nos castigar – cortar a figueira – mas muito mais
para dizer que nos dá ainda tempo para repensarmos nossa conduta e para que
possamos fazer páscoa com ele.
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